Somos feitos de poeira das estrelas.
Carl Segan
Estava em sessão quando fui questionado pelo cliente sobre o que é Espiritualidade? Pensei, lembrei de falas de outras pessoas que procuram pela Espiritualidade, como algo externo, distante, com um status de inalcançável até. Como se tivéssemos de buscar por algo que é acima da vida cotidiana, que nos retire da imanência da vida e nos conecte a um plano superior.
Mas acredito será que é necessário transcender? Sair buscando exteriormente algo que, independente de tudo, crenças ou não, já somos, não temos, somos a coisa.
Filósofos e Espiritualidade
Baruch de Espinoza nos dá um ponto de partida poderoso: Deus não está separado do mundo, mas é a própria Natureza, ele apenas é. Ele não cria em um Deus fomentado pelas religiões cristãs, ontológico, semelhança e igualdade do homem, mas em única “substância” que se manifesta de infinitas formas – nós, a terra, o vento, os sentimentos, as sensações, os encontros etc. Não há divisão entre o sagrado e o profano, entre o divino e o terreno. Tudo carrega em si uma dimensão de Espiritualidade. A questão não é fugir da vida para encontrar algo além, mas mergulhar fundo naquilo que já está diante de nós.
Friedrich Nietzsche contesta os valores morais e religiosos que nos aprisionam, que nos fazem limitar a vida como ela é realmente. Nietzsche nos convida a um "amor fati", amar o destino, ou seja, aceitarmos a vida como ela é, com tudo de bom e ruim, sem arrependimentos ou recusas, mas vendo cada experiência como parte do nosso caminho. A espiritualidade nietzschiana não reside em uma recompensa no além, mas na capacidade de transformar cada experiência, cada obstáculo, em um trampolim para a nossa própria superação. É uma afirmação da nossa vontade de potência, de nos tornarmos aquilo que somos capazes de ser.
E como entender essa potência que Nietzsche se refere? Recorremos a Gilles Deleuze para nos auxiliar, com a noção de "devir", que é a ideia de que estamos em constante mudança, nos transformando e nos tornando algo novo. Nada em nós é fixo, estático, a vida é um fluxo constante de crescimento, transformação e reinvenção. É uma jornada sem fim, onde cada encontro, cada experiência, nos transforma.
A Espiritualidade não é uma fé cega ou um dogma a ser seguido, mas uma prática de autoconhecimento e de afirmação da vida. Trata-se de nos conectarmos com a nossa própria potência, de agirmos com autenticidade e de nos tornarmos agentes da nossa própria transformação. É uma dança com o mundo, onde a mente, o corpo e o espírito se unem em um fluxo constante de criação e de experiência, um caminho desafiador, sem atalhos, mas que nos liberta das amarras do medo e da culpa, nos permitindo viver com intensidade e com um profundo senso de pertencimento ao cosmos.
E a arte é algo tão espiritual, pois num quadro, numa música, num livro, encontramos algo que nos atravessa, que nos faz perceber a vida com mais intensidade. A arte não precisa de explicação, basta sentir. Um filme pode nos levar a um estado de contemplação, uma poesia pode abrir uma porta dentro de nós, um gesto numa dança pode nos lembrar daquilo que esquecemos.
Há Espiritualidade na maneira como olhamos uma paisagem, no instante em que o sol toca a pele, no silêncio de uma sala de museu. A Espiritualidade está na simplicidade de um toque, na força de um olhar, na coragem de continuar. Está no aqui e agora, vivido por inteiro.